2 BRASIL & ALEMANHA descreveria DIE WELT: Senhor Jaguaribe, como o senhor a situação econômica atual do Brasil? ROBERTO JAGUARIBE: Tivemos uma recessão pesada, mas estamos em vias de superá-la. O congresso tomou decisões importantes que irão ajudar o Brasil a re- tomar um rumo positivo. O presidente Temer não está muito popular, mas é im- portante que medidas decisivas possam ser tomadas em tempos de fragilidade política e econômica. POR JOCHEN CLEMENS Que medidas são essas? Há tantas que devem primeiramente ser divididas em duas categorias, as macro e as microeconômicas. As primeiras têm a ver com a estabilidade econômica e referem-se principalmente à inflação e ao direito tributário. As medidas microeconômicas tratam, entre outras coisas, da maneira de gerenciamento das empresas estatais no futuro. O nosso sis- tema de concessões foi alterado para fa- cilitar e promover os investimentos estrangeiros. Isto abrange todo o setor da infra-estrutura, como transporte, fer- rovias, portos fluviais e aéreos. Os pro- cessos de licitação para projetos foram liberados e as condições agora ficaram muito mais fáceis e também mais trans- parentes. Aconteceram, portanto, muitas mudanças fundamentais em apenas al- guns meses, mas mesmo assim, ainda te- mos muito trabalho pela frente. Por exemplo? Precisamos facilitar os investimentos estrangeiros. Para isso, precisamos de mudanças nas leis em relação à produção de petróleo e gás. Também há muito a fa- zer no setor da previdência social e o sis- tema pensionista necessita de reformas urgentes, porque o nível das aposentado- rias supera em muito as possibilidades fi- nanceiras do governo. O Brasil tem um problema com a sua imagem no exterior, causado particu- larmente pela instabilidade política em relação à corrupção. Por que o país continuaria sendo uma boa op- ção para os investidores? É claro que os problemas estão visíveis. Mas eu acredito no seguinte: Pouca gen- te está realmente surpresa que existam esses problemas de corrupção, mas sim com o fato de o Brasil provar ser muito robusto e que a economia está se mo- strando capaz de superar uma situação difícil. A corrupção é um problema mundial, mas a extensão dela no Brasil é realmente grande. Felizmente, temos instituições judiciais e investigativas in- dependentes que não devem satisfação a ninguém, nem à política. É importante que continuemos revelando o que acon- teceu no passado. De fato, os investiga- dores e promotores estão no foco dos acontecimentos e quase viraram estrelas eles mesmos. Mas isso não é bom, por- que atrapalha as investigacoes, quando notícias, às vezes especulativas, são pu- blicadas nas mídias. A economia brasileira é prejudicada pelos políticos? Os políticos no Brasil atualmente estão muito impopulares, mas sem eles também não é possível fazer política, já que uma democracia não funciona sem partidos e pessoas. Nós temos que me- lhorar o sistema político e criar uma base nova para o relacionamento da popula- “Sentimos FALTA da Alemanha” Em entrevista, o presidente da Apex-Brasil fala sobre crises, crescimento econômico, energias renováveis, a China e a vontade de expandir os laços com a Alemanha em setores estratégicos I E D A S O G R E S / S E G A M A Alemanha importa principalmente alimentos do Brasil. Ao lado de café e carne, são as frutas que estão em alta I Y T T E G ção com a política. A princípio, o Brasil sempre esteve aberto para investimen- tos estrangeiros, isso desde o século XIX, para ser exato. O Brasil é mundialmente um dos países com o maior número de investimentos estrangeiros, mesmo nos anos muito difíceis e incertos de 2015 e 2016. Pode-se perguntar como isso é possível. Mas é muito simples: as pessoas investem para obter lucro. E isto no Bra- sil funciona muito bem. A economia hoje trata também de energias renováveis. Quais são os pla- nos do Brasil para a sua utilização? O setor da energia é extremamente im- portante. Entre todas as economias grandes do mundo, o Brasil possui uma das maiores taxas da utilização de ener- gias sustentáveis. E seremos ainda muito mais renováveis, fazendo com que mui- tas novas oportunidades se apresentem aos investidores. Já somos grandes nos setores da energia eólica e dos biocombustíveis e expandimos a energia solar a passos largos. Temos muitos in- vestidores estrangeiros no setor dos biocombustíveis, principalmente do Rei- no Unido e dos EUA, mas infelizmente, ainda não da Alemanha. Como a Alema- nha está apostando fortemente nas ener- gias renováveis, investir no Brasil é uma opção muito boa. Há muito sol no Brasil, muito mais do que na Alemanha, por exemplo. Por que a energia solar até agora só teve um papel secundário? O fato da energia solar no Brasil não ser tao importante como na Alemanha — mesmo que estamos em nono lugar mundialmente — tem motivos exclusi- vamente econômicos. A energia eólica simplesmente tem se mostrado como o método mais eficiente de produção de O Rio de Janeiro do rio Reno O Rio e a cidade de Colônia estão conectados não apenas pelo amor ao futebol, mas também por sólidos laços econômicos. Sede do Encontro Econômico de 2018, a cidade alemã quer aprofundar ainda mais essa relação A cidade de Colônia sediará, no ano que vem, o 36° Encontro Econômico Brasil — Alemanha, a exatos dez anos mais tarde, quando a ci- dade da famosa catedral já fora uma vez a anfitriã do acontecimento. Isso foi deci- POR CHRISTINA PETRICK-LÖHR dido pela Associação Nacional da Indústria Alemã (BDI) em parceiria com o seu pendente brasileiro, a Confedera- ção Nacional da Indústria (CNI). De 24 a 26 de junho de 2018 serão esperados cer- ca de 600 participantes dos dois países na cidade do carnaval alemão , para ex- pandir os contatos nos setores da econo- mia, da ciência, assim como da política e da administração, e procurar por novas opções na cooperação dos dois países. “Colônia é o lugar ideal para este encon- tro tão importante da economia brasilei- ra e alemã. Nos últimos anos, a cidade de Colônia e a Koelnmesse tem aumentado o seu empenho no mercado brasileiro, inspirado também pela parceria de cida- des entre Colônia e o Rio de Janeiro, in- augurada em 2011”, diz a prefeita de Colônia, Henriette Reker. A cidade de Colônia é, literalmente, predestinada a sediar o Encontro Econômico, porque os habitantes do rio Reno têm muitas coisas em comum com os cariocas do Rio, por exemplo, o amor pelo futebol e a marcante alegria de vi- ver. E por último: o mútuo amor ao car- naval. Enquanto lá em baixo, ao lado do Pão-de-Açúcar, os sul-americanos quen- tes estão dançando o samba, os carnava- lescos do rio Reno alegremente se aque- cem balançando ao som da música. À parte disso, cerca de 10 000 brasileiros ,, ACREDITAMOS QUE ESTE PAÍS VOLTARÁ A SER UM GRANDE PAÍS DE EXPORTAÇÕES COMO TAMBÉM UM GRANDE MERCADO PRA NEGÓCIOS GERALD BÖSE, Chefe da Koelnmesse moram em Colônia e assim, a cidade ab- riga uma das maiores colônias dos sul- americanos na Europa. Na Alemanha, ainda se encontra uma comunidade grande de brasileiros em Berlim. A parceria de cidades relativamente recente entre a metrópole mais velha do Brasil e a metrópole mais velha da Ale- manha tem feito muito pela cooperação entre os dois países, juntamente com o patrocínio de uma fundação ágil e efi- ciente. Os contatos hoje em dia se dão em vários campos de atuação. Um de seus atores mais importantes é a Koelnmesse. Desde 2014, o promotor de feiras tem uma filial própria, com sede em São Paulo e promove feiras como a Feira Internacional de Soluções e Tecno- logias para a Indústria Alimentícia, a “Anutec Brazil”, em Curitiba. Adicional- mente a isso, deve acontecer em São Pau- DIE WELT OUTONO 2017 Nem um pouco. Eu até acredito que há uma grande distorção no que se refere às ações da China na África. É claro que os chineses querem matérias-primas e alimentos, mas, por outro lado, realiza- ram mais obras beneficiando a infra- estrutura daqueles países do que fize- ram as antigas potências colonias jun- tas em 200 anos. Portanto, a situação não é tão ruim como se costuma afir- mar. E aqui no Brasil, temos controle absoluto sobre essa situação. Temos a State Grid Corporation, a maior empresa estatal de energia chinesa, que tem quase 50% de seus bens patrimoniais no exterior aqui no Brasil. É claro que estamos felizes pelo seu engajamento, mas o que queremos é um empenho global. Infelizmente, a Alemanha não se destaca no setor da infra-estrutura, não só no Brasil, como no mundo intei- ro. Gostaríamos de ter novamente um empenho mais forte da Alemanha no Brasil, inclusive numa área na qual ela é especialmente na construção e manutenção de portos. competente: atrás, tivemos Quais são as maiores mercadorias de exportação do Brasil e em quais delas a Alemanha está particularmente in- teressada? Registramos o nosso crescimento mais dinâmico nos produtos agrícolas. Há 50 anos resultados deficitários, hoje o Brasil tem o maior superávit comercial neste setor em to- do o mundo. Os produtos agrários re- presentam quase 50% das nossas ex- portações totais. Em comparação a meados da década de 1970, a nossa pro- dução agrária aumentou em quase cin- co vezes. Mas também somos um ex- portador importante de aviões e de car- ros. É possível que, em 2017, possamos chegar à marca de 800 mil veículos vendidos no exterior. A nossa principal mercadoria no comércio com a Alemanha são os alimentos. Também se registra um forte aumento na ex- portação de frutas. Além disso, a carne é muito importante e, é claro, o café. A Alemanha compra muito café brasilei- ro, mas não é o Brasil quem mais ganha com isso, e sim a própria Alemanha, porque é lá que o nosso café é processa- do, refinado e vendido. Torna-se um pouco difícil determinar os números exatos do nosso comércio com a Ale- manha, porque os produtos chegam aos portos de toda a Europa. Quando che- gam a Roterdã, por exemplo, para nós são exportados para a Holanda, embora de lá sejam transportados para a Ale- manha. I I T T E H C S R O T V I Sobre o entrevistado Roberto Jaguaribe é o presidente da Apex-Brasil (Agência Brasilei- ra de Promoção de Exportações e Investimentos) que ajuda em- presas brasileiras na comerci alização de produtos e na pres- tação de serviços no exterior. A Agência promove investimentos estrangeiros no Brasil e apoia empresas estrangeiras em sua entrada no mercado brasileiro. outros projetos futuros, como por exem- plo, em uma usina incineradora. Como uma conexão entre os interes- ses econômicos brasileiros e alemães, também funciona o “Brazil-Business Centre Cologne”, situado no coração da cidade, bem em frente à prefeitura. Este centro de negócios, iniciada em 2013 por iniciativa privada, faz propaganda para que pequenas e grandes empresas da maior economia popular da América do Sul se conectem a Colônia em seus negócios. Afinal, por causa da sua exce- lente localização, Colonia também pode servir de trampolim para visitar outros grandes centros de negócios próximos, como Amsterdã, Antuérpia, Paris ou Bru- xelas. Na área da cooperação científica também há desenvolvimentos interes- santes: Na primavera de 2016, a “Funda- ção Getúlio Vargas” do Rio abriu um es- critório em Colônia, é o primeiro es- critório de representação externa da FGV-Europa em todo o mundo. A Fun- dação é um dos mais importantes think tanks da América do Sul, e além disso, oi- to universidades do Brasil trabalham em conjunto com ela. energia até agora, sendo muito mais ba- rato do que a energia solar. Mas com o tempo, ela está se tornando mais com- petitiva e, obviamente, o Brasil é um lu- gar excelente para a produção de ener- gia solar. Devido a má situação das re- ceitas fiscais, o Brasil não foi e ainda não está em condições de subvencioná- la. Assim, todos os setores têm que ser auto-sustentáveis e competitivos, quer seja nos setores eólicos, solares, ou de carvão. No entanto, formulamos objeti- vos claros em relação às energias renováveis e iniciamos um processo de licitação independente nesses setores. É o nosso objetivo que futuramente 75 por cento do consumo de energia no Brasil energias renováveis e em dezembro haverá lei- lões para novos projetos. é derivado das O que o Brasil oferece às empresas que querem investir no país? Um clima de investimentos seguro, le- galmente transparente e confiável — e, é claro, um grande potencial de cresci- mento estável, como nos leilões acima mencionados e nos processos de licita- ção. Eles estão abertos a todos os inte- ressados do mundo inteiro. Infelizmen- te, a Alemanha até agora tem se mostra- do mais ausente do que presente nessa questão. O nosso parceiro mais impor- tante e ativo é, de longe, a China, também no setor da energia solar. Em- bora a Alemanha ainda seja um parceiro econômico muito importante com um grande número de empresas no país, mas enquanto, a Itália, a Espanha, a França e os Países Baixos aumentaram suas atividades, o empenho alemão re- cuou um pouco. Mesmo assim, estamos esperançosos que a Alemanha volte a in- vestir mais fortemente no Brasil em to- dos os setores. Afinal, temos uma longa tradição em comum e, além disso, depo- sitamos grandes esperanças no tratado de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, que talvez pode ser realizado ainda em 2017, para ser imple- mentado depois, em 2018. Isso aumen- tará os incentivos para as empresas em todo o mundo para investir aqui, como também proporcionará melhores opor- tunidades para empresas brasileiras de se tornarem mais ativas na União Euro- peia. Como eu já disse anteriormente: estamos sentindo um pouco a falta da Alemanha. A fome da China por matérias-primas é enorme e cresce cada vez mais. Qual é o papel da China no Brasil? A China é um parceiro muito bom para o Brasil, é o nosso maior parceiro comerci- al. A China é hoje a nação econômica mais ativa do mundo, em muitas áreas mesmo a maior delas e em breve ultra- passará os EUA. Em 2030, o mercado chinês será quase duas vezes maior do que o mercado dos EUA. Mas a China nunca será capaz de satisfazer as suas necessidades, seja no setor da energia, das matérias-primas ou da alimentação. O Brasil talvez seja, para a China, o país que melhor pode cobrir a maior parte de suas necessidades de uma forma conjun- ta. Os chineses praticamente devoram os minérios de ferro e para as nossas ex- portações de carne e de soja são, de lon- ge, o nosso maior cliente. O Brasil não tem medo que a China possa sugar as suas matérias-primas, como se queixam alguns países africa- nos? lo, sob a direção de Colônia, feiras de roupas e vestimentos para crianças e bebês. Em 2019 deve começar uma nova feira alimentícia, sucessora da feira “Anu- ga”, em São Paulo. O chefe executivo da feira, Gerald Böse, explica assim o em- penho: "Como um promotor de feiras alemão que atua globalmente, mostra- mos com estes eventos que continuamos apostando no Brasil, mesmo sob condi- ções gerais difícis. Acreditamos que este país voltará a ser um grande país de ex- portações como também um grande mer- cado para negócios.” Afinal das contas, o Brasil é um dos maiores produtores e ex- portadores de alimentos do mundo. A cooperação entre Colônia e o Rio também deixou as suas marcas em outro setor: a Companhia de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro, Comlurb, construiu, em cooperação com a empresa de reci- clagem e retirada de lixo da Colonia AVG, uma compostora moderna. Há al- guns meses, cerca 10 000 toneladas de li- xo orgânico por ano agora são processa- dos para compostagem em vez de produ- zir o prejudicial metano nos aterros de lixo superlotados da cidade. O lado brasi- leiro também já sinalizou interesse em EXPEDIENTE Uma publicação de redação de temas especiais do jornal alemão WELT Diretor de Redação: Matthias Leonhard (V.i.S.d.P.), Astrid Gmeinski-Walter Redação: Jochen Clemens Diagramação e Produção: Elke Kaufmann Colaboradora: Dayse Koschier Tradução: Roland Wagner Anúncios: Silvana Kara Marketing Nacional: Alexander Kühl – alexander.kuehl@axelspringer.de Editora: WeltN24 GmbH Impressão: Axel Springer SE, Berlin Axel-Springer-Straße 65, 10888 Berlin Data de fechamento: 8 de novembro Data de publicado: 12 de novembro